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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Deus salve a rainha

Numa época não muito distante, há cerca de 8 anos, usar um ou outro acessório colorido não era um indicativo de algo perigoso mais pra frente, como calças coloridas e ter um corte de cabelo assinado por um macaco usando os próprios pés. Tá certo que em nenhuma época eu usaria calça colorida, mas acho que deu pra entender.
Eu estava na oitava série e ouvia Blink, Pennywise e outros, mas não tinha a menor intenção de sair pela rua gritando "Anarquia" ou incentivar as pessoas a não comer no McDonald's. Primeiro, porque sair gritando na rua por quaisquer motivos que não seja correr de um assassino é bem idiota e me dá vergonha só de pensar nos patéticos sem amigos que já fizeram isso. Um minuto de silêncio. Segundo, eu gostaria muito de saber a utilidade em boicotar o McDonald's, essa saudosa rede que me forneceu vários brinquedos ao longo da infância, enquanto eu agonizava de enjoo no carro por ter tido a brilhante ideia de comer um McLanche Feliz no meio de uma viagem de 2.000 km de carro. Tenho estômago fraco. Acho que as mesmas pessoas que tiveram essa ideia tão revolucionária são pais desses que, hoje, xingam muito no twitter. Se vocês querem mesmo derrubar os Estados Unidos, poderiam assistir a alguns episódios de MacGuyver e fazer algum curso de pilotagem de avião. Funcionou pra uns caras da Al Qaeda em 2001.



Eu me contentava, como atos de rebeldia, em sair de casa faltando 2 minutos pra tocar o sinal; reclamar com o porteiro que aquilo era cárcere privado sempre que eu queria ir pra casa no meio da manhã; e usar um cadarço azul e outro laranja. Essa última e brilhante ideia, aliás, teve uma duração precoce. No meu colégio havia um cargo chamado "Inspetor", que tinha duas funções principais: a) impedir que os alunos se matassem nos intervalos; e b) pedir gentilmente que todos entrassem na sala depois do fim do intervalo. Sob o ponto de vista da gente, eles só tinham uma única função: encher o saco.
Eu estava subindo a escada quando um inspetor chegou do meu lado, colocou a mão no meu ombro (se em algum manual de liderança isso significa estabelecer uma posição de domínio, pra alguém que está no ensino fundamental isso significa outra coisa) e falou:
- Olha, você não vai poder mais vir com esses cadarços coloridos, isso é modismo.
Respondi:
- Se é modismo, por que ninguém tá me imitando?
- (...) Não venha mais.
Argumentar, com certeza, não estava entre as funções dele. 
Nesse mesmo ano, eu ganhei um baixo e formei uma banda com dois amigos. Como eles não tocavam nada ainda, só fomos ensaiar no ano seguinte. Estava formada a New Nose, a banda polêmica e que tocou nos lugares mais inusitados da história. Foram só 4 shows: no festival de talentos do colégio, num posto de gasolina (ao lado da troca de óleo), na Escola Técnica e num curso de inglês.



Nosso primeiro show  foi no curso de inglês e pareceu uma ótima ideia pintar meus cabelos de verde, com um spray. Verde marca-texto. Para meu amigo, que era o vocalista, também pareceu uma ótima ideia cantar "é a porra do Brasil" no final do refrão de "Que país é esse" quando a plateia era formada, em 95%, por crianças abaixo de 12 anos, pais e avós.
Um dos shows nem mesmo chegou ao fim. No festival de talentos do colégio, a bateria literalmente andava pra frente, o que frustrou deveras nosso baterista. O grande aprendizado foi que, se você fala "eu não toco mais nessa porra", a apresentadora tem grandes chances de dizer que sua banda está expulsa do festival. Liguei pra mamãe e tive que ir mais cedo pra casa. Droga.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Plano de voo

Às vezes, você não planeja o perigo. Ele simplesmente aparece. Dessa vez, não consegui ver o jogo do Timão em SP, mas isso não me impediu de passar por maus bocados, mêu. Eu tava ontem fazendo a checagem-dentro (vulgo  "check-in", não gosto muito de estrangeirismos) em Guarulhos, quando ouço uns gritos. 
- Ei, Corinthians, vá tomar no cu!
Eram todos os 35 torcedores do Fluminense (exceto por meu primo e meu tio) voltando do jogo contra os bambis - o SPFC -, os quais, aliás, não se contentaram em entregar o jogo, mas tiveram que perder tomando de quatro. Seria um encontro normal com esses pobres coitados que jogaram a Série C e precisaram de uma virada de mesa pra voltar pra Série A, exceto por um pequeno detalhe: eu tava com uma camisa do Corinthians. Tirei os óculos na hora, pra não sujar de sangue (deles) e atravessei o saguão pro guichê da Gol.
Não me entenda mal, antes o Flu - um time pequeno - ser campeão a outros como o São Paulo, o Palmeiras ou o Flamengo. Acontece que é desagradável ouvir cânticos amistosos do tipo:
- Co-rin-ti-a-no otário, o centenário foi pra casa do caralho!
Que boca suja. Não muito agradável, também, é esse sotaque puxado de cariocas falando "pô, eu não exxxxperava ganhar de 4x1, bicho". Ou então "eu moro na Tijuããca". No final, como dita a lei da selva, levantei os braços pra parecer maior e estabeleci meu domínio. Vi, fui e venci.
Cada torcida tem uma fama. A do Flamengo é de traficantes; a do Corinthians, de maloqueiros pobres; a do SPFC, de riquinhos gays; do Fluminense, de jogadores de pó de arroz (?) e por aí vai. Mas, quando um torcedor do Fluminense senta ao seu lado no avião, apanha uma moeda de DEZ CENTAVOS que tava no assento e fala:
- É sua?
- Não.
- Então agora é minha, hehehehe (a risada de quem tá mal).
- Hehehehehe (a risada de quem te acha patético).


O voo atrasou uns 40 minutos. Parece que alguém fez a checagem-dentro, sua mala foi pra dentro do avião e ela acabou não embarcando. Um comissário leu uns nomes, dentre eles uma "Rosa", numa espécie de chamada. O capitão falou:
- Pedimos desculpa pelo atraso, mas, por uma questão de segurança, teremos que tirar a mala do passageiro que não embarcou.
O carioca dos dez centavos:
- É, txira mesmo isso  daí, pô, depois é uma bomba.
Uns 15 minutos depois, entra uma mulher com cara de desorientada no avião. Era Rosa. Todo mundo aplaudiu ironicamente. Como são gozados esses tricolores.


PS: esse post é dedicado a Mateus Cullen, agora um vampiro maior de idade. 

domingo, 7 de novembro de 2010

O incrível ninja


Quando pequeno, sempre fui fã de heróis japoneses. Jiraya, Jiban, Kamen Rider, Jaspion. Esse mundo de robôs, ninjas e besouros que combatiam o crime com espadas, motos e um pouco de óleo em suas juntas era fascinante.
Como era uma febre aqui no Brasil, as marcas de brinquedos lançavam os bonecos e fantasias. Não deveria revelar isso, mas, por muitos anos, entre meus primos menores, minha identidade secreta era Jiraya. Eu também era o monstro, já que não tinha mais ninguém disposto a fazer esse papel. 


Eu devia ter uns 6 anos e estudava num colégio pequeno chamado São Francisco de Assis. Era pequeno, devia ter, no máximo, umas 6 salas. Eu tinha um boneco de Jiban, o policial robô, e de Kamen Raider Black RX, um policial-besouro que tinha uma moto massa. 
Estava de bobeira com meus dois bonecos, na hora do recreio, quando um garoto gordo aparece. Gordo não, se eu pesava cerca de 20 kg, ele pesava uns 45. Ele, que devia estar chateado por não ter encontrado nenhum gato pra enforcar naquela semana, chegou pra mim e falou:
- Esses bonecos são meus.


Ainda faltavam uns 15 anos pra eu entrar na faculdade de Direito e estar familiarizado com o direito de propriedade, mas, já naquela tenra idade, a lógica pôde me iluminar a falar:
- Não são, não.
Ainda faltavam 15 anos pra ele ser preso pela primeira vez, então o que a lógica de um serial killer lhe permitiu fazer foi pular em cima de mim. Literalmente. Ele começou a puxar meu cabelo, enquanto seu corpo regado a fandangos e hambúrguer sentava sobre o meu, indefeso. Como o ser humano é esse ser incrível (uma porra que é!), logo juntou aquela galera ao redor. Meu único e último movimento foi esticar meu braço e topar o tênis de uma coleguinha, falando:
- Cha.. chame a... professora
A vadia, digo, a menina, nem se mexeu. Será que só tinha psicopatas naquele colégio, São Francisco? Felizmente, apesar da minha mente em agonia achar que o mau imperaria sobre o bem, a professora chegou e me salvou. É claro que minha mãe foi lá quebrar tudo depois da aula. Até tinha saído sangue de leve. Anos depois, prometi a mim mesmo que iria proteger os fracos e oprimidos me vestindo de jiraya no carnaval.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Guerra ao terror

Meu irmão é como Macauly Culkin em "Esqueceram de mim": não pode ver bombas, armas de brinquedo ou coisas do gênero que tem que comprar. Toda vez que vai a São Paulo, volta com caneta que dá choque, laser que dá choque, isqueiro que dá choque. Como ele não é um mestre nas mentiras, aparece no meu quarto, falando com um sorriso maroto:
- Olha esse isqueiro que comprei... 
- Nem fudendo, dá choque.
- Dá nada kkkkk
É claro que ele compra aqueles que têm dois botões: um que funciona de verdade e outro pra efetivamente dar o choque. Ele aperta o verdadeiro pra me ludibirar, mas não caio mais. Só cairei se ele comprar uma nota de 20 reais que dá choque. Ele tá me devendo 20 reais, então eu teria que aceitar.
Nos últimos 2 ou 3 anos, ele inventou de comprar bombas de breu pra soltar na praia. Essas bombas têm quase o tamanho de duas bolas de tênis. Parece que, quando foi comprar, ele ouviu recomendações da dona da barraca de fogos mais ou menos nesse sentido:
- Olhe, você acenda e CORRA, CORRA PELA SUA VIDA. Se sua mãe estiver com você e cair, deixe ela e CORRA UNS 100 METROS!
A mulher era mais ou menos assim:



... então ela tinha um pouco de razão.
Ia rolar um luau na praia, também conhecido como desculpa-pra-soltar-fogos-de-alta-periculosidade. A fogueira, o carro e a galera tavam no começo da praia. Como o mar fica muito longe do começo aqui, pegamos um ônibus pra chegar perto do mar cor-de-toddynho. O bomberman do meu irmão fez um buraco, colocou seu artefato explosivo e começamos a correr. Quase todos. Quando chegamos perto do resto do pessoal, vimos que faltava um primo. Só deu pra gritar, da forma mais carinhosa possível pra quem via um parente em iminente risco de vida:
- VICTORRRR, CORRA PRA CÁ, SEU RETARDADO! 
Pelo menos ele não correu "em direção à luz". Correu 100m pro lado oposto. Seu argumento foi que "não sabia pra que lado era pra correr".