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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Bronze com gosto de ouro

Esta é uma história de superação, garra e sucesso. Na 6ª série, meus colegas e eu jogávamos xadrez (que é um esporte) todo dia na sala, nos intervalos. Quando a gente era interrompido pelas aulas, eram vários os tabuleiros embaixo das carteiras, esperando pela continuação da partida. De uns 15 que jogavam, eu não era o melhor, talvez o 3º ou 4º. 

xadrez é guerra

Como todo ano, aconteciam as Olimpíadas internas e tinha um limite de atletas por sala. Se não me engano, eram 4 ou 5 pro esporte da mente (xadrez, dã). Cada um jogava 5 partidas. Se você ganhasse, levava um ponto; se empatasse, levava 0,5; e, se perdesse, levavam sua dignidade. Você pode estar pensando que não existe empate em xadrez, mas eu vou provar que isso é possível. E duas vezes. 
Logo na primeira rodada, eu peguei a única menina do torneio, que era 1º ano. Pensei: "massa, a única menina, vai ser tranquilo". Dez segundos depois: "se ela é a única menina, deve jogar muito e vai me mandar pra casa pra jogar pokémon, droga".
Começa a rodada, todos já jogando, mas nada da menina. Eu fiquei esperando, olhando pro relógio e torcendo pro W.O., quando, uns 10 minutos depois, ela aparece, suada. Tinha acabado de jogar uma partida de vôlei. Começamos a jogar e eu fui capturando rainha, torre e a galera toda. Até que a menina abandonou o jogo. Bom, pelo menos uma eu tinha ganho uma antes que me eliminassem.
Na segunda rodada, enfrentei um gordinho da 8ª série. Pra quem era 6ª, essa diferença equivalia a uns 10 anos. O jogo tava muito disputado, os dois capturando muitas peças. Numa hora, não tinha muitas peças e o jogo tinha ficado travado. Era como brincar de pega-pega num salão só com uma pilastra no meio: por mais que um corra atrás do outro, nunca vão se alcançar. Nossa, eu devia narrar jogos de xadrez.
Novamente, eu empatei, mas dessa vez com um garoto do 1º ano. Ou seja, 15 anos mais velho. Só que a situação não estava tão ruim, já que, ao final dessa terceira rodada, meus amigos - melhores do que eu - já tinham perdido uma partida ou mais cada. O sonho da medalha começava a se tornar plausível. Ui.
As estatísticas esperavam que eu empatasse o quarto jogo, mas venci um moleque da 8ª série. Tinha uma cara de futuro chefe do tráfico que era uma beleza. Eu ia para a última roda invicto. Tava com o capeta enxadrista no sangue.
Se as estatísticas me deram aquela folga, não me ajudaram muito na última partida. Novamente, peguei outro aluno da 8ª série, mas ele simplesmente tinha o apelido de Roque. Eu não sei se era por causa do nome de uma jogada, ou se era porque ele tinha o cabelo igual ao de Roque, aquele assistente de Silvio Santos. Vai ver era pelos dois motivos. Só sei que ele era o melhor do colégio e acabei perdendo. Mas, na contagem final, eu tinha ficado em 3º. É BRONZE! Fui pra galera, mas não tinha galera alguma. Só tinha um bando de garotos em crescimento que tinham passado as últimas 4 ou 5 horas jogando xadrez. Guga, um primo que tinha ido comigo e tinha 8 anos, cresceu uns 5 centímetros, só pra você ter uma ideia. 
Fui no ginásio receber minha bela medalha. Ironicamente, após ganhar e empatar com gente de pelo menos 2 séries acima, eu fiquei atrás de dois alunos da quinta série. Puta mundo injusto.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Dia Mundial da Vergonha

Dia 15 de outubro de 2004, eu tava no terceiro ano do ensino médio. Não sei por que, mas, uma semana antes, tive a brilhante ideia de topar fazer um poema em homenagem aos professores, já que o dia deles estava chegando e haveria uma homenagem. Acho que o fato de o pedido ter vindo de uma garota loira e de olhos azuis, que era segundo ano, ajudou um pouco. Quando ela me chamou lá fora, durante a aula, até esqueci que fazer um poema para os professores era gay pra cacete.


Acabei conseguindo escrever algo e tinha levado pro colégio. O dia estava indo bem, até que a coordenadora aparece no meio da aula para um breve anúncio:
- Hoje, no intervalo, haverá uma homenagem aos professores. Quero que vocês desçam pra dar uma força pro pessoal do 2º ano.
Qualquer motivo era excelente pra não ficar naquela sala, no intervalo, enquanto nerds discutiam ácidos e bases. Até ela acrescentar:
- Ah, e também para prestigiar nosso amigo Tiago Benitez, que escreveu algo para os professores.
Se aquele tivesse sido o dia em que eu estivesse conhecendo meus colegas, eu teria olhado para os dois lados, procurando por esse tal de Tiago. Mas, como nem tudo na vida são balas 7 belo, a única opção foi tentar não explodir de tanta vergonha. Literalmente, porque eu sinto uma ardência forte no rosto em momentos assim. Arrisco até a dizer que fico vermelho.
Como eu não tinha nenhuma briga marcada para aquele dia, desci com minha gangue até o pátio. Só que, ao chegar lá, o lugar tava lotado. Lotado não, tinha gente pendurada nos portões, brotando do chão, caravanas vindo de outros colégios. Ok, não tinha caravanas, mas tinha umas 300 pessoas fácil ali. Até tinham arrumado os bancos como se fosse uma arquibancada.
Fiquei bem atrás da fileira de bancos, a uma distância média do palco. Só que foi por pouco tempo. A menina que apresentava pegou o microfone e falou:
- Vou recitar esse poema que Tiago Benitez, do 3º C, fez. Eu queria chamar Tiago aqui pro palco.
Pensei: "pra que, minha filha? é um poema, não é uma coreografia". Mas falei:
- Não, valeu.
Infelizmente, meus amiguinhos me empurraram lá pra frente. Colocaram uma cadeira em frente ao palco, no canto direito. Sentei lá, para os mais longos 3 minutos da minha vida. No final, não sei por que, mas a galera foi à loucura.
- AEEEEEEEEEEEEEEEEEE!!
- TI-A-GÔ! TI-A-GÔ!
- TENHA FILHOS COMIGO! (posso ter exagerado, mas só nessa parte)
Eu só conseguia olhar de relance pro povo, e a única coisa que fiz foi um sinal de paz e amor (?). Quando fui me sentar, só levei tapinhas na cabeça de amigos e conhecidos.
- É  o Bilac! 
- É o Drummond!
Passei umas 5 ou 6 semanas sendo chamado de "poeteiro". Muito original. Imagine se tivesse rolado coreografia.

domingo, 19 de setembro de 2010

Em caso de incêndio...


É sempre muito bom poder contar com heróis. Geralmente, são pessoas normais, que vencem fogo e ferro (isso foi um ditado?), que colocam os interesses do seu semelhante acima dos seus. São indivíduos normais, apenas esperando pela oportunidade de salvar o próximo.
Eu ainda vivia no sofrido Mundo-dos-sem-habilitação e meu primo mais velho, The King (apelido colocado por ele mesmo), iria dar uma carona pra meu irmão, que estava com o pé engessado, e eu, depois do almoço de sábado. Seu carro tinha 2 portas, então, era preciso levantar um dos bancos da frente pra poder passar para a parte traseira. Fui o contemplado, já que é sempre bom deixar o banco do passageiro para os temporariamente inválidos.
The King deu a partida no carro, só que, de repente, sem avisar, começou a sair uma pequena fumaça de uma das entradas de ar. Provavelmente, apenas um fusível tinha queimado. Mas, foram a coragem e a determinação de The King que me impressionaram:
- SALVEM SUAS VIDAS!
- AAAAAAAA!
- AAAAAAAA!
Ele saiu correndo para a porta da casa dos meus avós, deixando meu irmão, com o pé quebrado, e eu, que não podia sair de trás. Meu irmãozinho colocou as muletas para o lado, pegou o extintor de incêndio e resolveu a parada. Acho que seu sonho sempre foi fazer isso, mas pelo menos o incêndio havia sido controlado. Depois de um excesso de tosse e de muito pó pra todo lado, ele saiu do carro, levantou o banco pra mim e fomos para o outro lado da rua. Para abraçar nosso herói.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Nada de muito concreto


Eu sou míope. Isso pareceu totalmente do nada, mas não foi. Foi apenas o primeiro de vários argumentos plausíveis para explicar um pequeno incidente que tive ano passado. Minha casa está em obras faz um tempo. Na verdade, faz tanto tempo que meu irmão e eu chamamos o pedreiro de "tio". Se você vê alguém que já estava na sua casa antes de você acordar, todo dia, por pelo menos 10 meses, essa pessoa é sua tia. Pode anotar que eu não pago pra compartilhar meu conhecimento. Mas, se você for muito gata, me manda um e-mail.
Tudo começou há um tempo atrás, na ilha do sol. Não, esse apenas foi um clássico da música brasileira. De fato, fazia sol, já que era meio-dia e meia e eu esperava meu pai com o carro, pra ir para o estágio. Eu teria que dirigir uns 12 km e tava um pouco atrasado. Meu pai chegou, parou na frente de casa e me deu a chave. Só que o pedreiro tinha feito aquela massa lá que chamam de cimento fresco e deixado no asfalto, muito perto da porta de casa. Meu pai estacionou bem em frente. Óbvio que não vi, já que faz tempo que brincar de massinha de modelar deixou de ser um hobby e aí passei por cima do negócio.
Felizmente, meu pai foi compreensivo:
- OLHA A MERDA QUE VOCÊ FEZ!
Olhei, porque sou obediente e vi a marca do pneu no asfalto. Segui em frente com a vida e parei num posto pra tirar com água (gênio). Joguei uns 5 baldes de água, mas não saía de jeito nenhum. O jeito foi dirigir até o estágio (água, cimento e sol forte, gênio) e tentar tirar com a mangueira do Poder Judiciário. Molhei e até consegui algum progresso, mas foi preciso levar num cara especializado em consertar as besteiras que pessoas míopes de óculos escuros fazem. Precisou usar uma marreta, diz a lenda. Pelo menos, não foi tão trabalhoso da segunda vez...

domingo, 12 de setembro de 2010

Vivendo a vida perigosamente

De vez em quando comemos um danoninho estrago e queremos experimentar um perigo. Dar uma mordida em papel alumínio com aqueeele dente obturado, assistir por meia hora ao programa de Sonia Abrão, andar de bicicleta sem as mãos (utopia pra mim), essas coisas. Mas, quando você já bebeu algumas latinhas de cerveja, sua percepção da realidade pode ficar, digamos assim, meio "super-heroica".
Era um festival de forró organizado pela Prefeitura, há uns 3 anos. Além de ser gratuito, era no mercado da cidade, onde o cheiro de peixe podre dava aquele ar de... de cheiro de peixe podre mesmo. Além disso, o forró era em junho, bem na época de chuvas. A lama rolava solta.
Eram umas 4 horas da manhã e Elba Ramalho - que tem convênio vitalício com a Prefeitura e comemorava seu 90º aniversário - já tinha mostrado toda a sua arte. Eu tava comendo pipoca (camiseta grátis e pipoca não se dispensam) e conversando com um amigo. Esse amigo, por sua vez, tinha encontrado uns amigos e um deles conversava com uma menina. Até aí tudo bem, exceto por seu namorado, ligeiramente ciumento, que deu uma voadora no garoto. Do nada, sem nem avisar. Começou a pancadaria. Além de estar numa posição privilegiada pra assistir ao confronto, eu ainda tinha a pipoca, então que ótima decisão eu havia tomado!
Falei:
- Caramba! - e ofereci pipoca ao meu amigo.
Mas aí, os tais dos aplicadores da lei, vulgo policiais militares, apareceram pra separar a briga. Foram logo entortando o braço do amigo do meu amigo e levando o coitado para um pequeno "sermão prático". Foi aí que eu, um mero estudante de 5º período de Direito na época, dei uns tapinhas no ombro do Policial e falei as 3 palavras mais arriscadas da minha vida:
- Legítima defesa, pô (quase um malandro).
Meus amigos, eu agradeço muito ao Estado de Democrático de Direito por permitir que pessoas com todos os tipos de deficiência - como as auditivas, por exemplo - possam concorrer a cargos públicos. Porque ele só podia ser surdo. Do contrário, o nome desse blog provavelmente seria "Minha enfermeira já contou essa?". 

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Louvado seja


A TV brasileira tem grandes gênios. É óbvio que tô falando dos ministros/pastores/ex-matadores que aparecem de madrugada, quando você tá bêbado de sono e às vezes de álcool também (brincadeira, mãe). Não me lembro em que canal era, nem ouvi o nome desse Ministro, mas o cara era tão prolixo quanto malandro. Ele estava justificando para os fiéis seus recentes gastos pra treinar outros pastores. Era um ótimo dramaturgo também, perceba a complexidade dos diálogos do seu monólogo (?):
- Eu não vou gastar um milhão, eu vou gastar DOIS MILHÕES!
A segunda voz:
- Mas você está louco, esse dinheiro não poderia ser gasto em outras coisas?
- Eu vou explicar.
Eu já tava extremamente interessado, mas ele passou dez minutos argumentando, só que não chegava a lugar algum. Falou que liderança era tudo, que não havia nada mais importante do que a pessoa humana (nisso, a câmera mudava pra plateia e você via várias cabeças concordando). Depois, disse:
- A maior pregação é pra mil pessoas ou pra uma pessoa só? PRA UMA PESSOA, IRMÃOS!
Eu já tava bem confuso nessa hora. Ele continuou:
- Eu invisto seis milhões na TV (ainda nem tinha explicado o porquê de dois milhões em vez de um, aí manda essa).
- Eu quero dizer aqui para as ovelhas: GLÓRIA A DEUS!
Todo mundo:
- GLÓRIA A DEUS!
Eu:
- Ovelhas? E os dois milhões?
Ele prosseguiu:
- Meu telefone tocou, eu tava falando com Deus. O cara disse que queria doar 1 milhão de reais pra igreja. Antes, ele tinha um caminhão velho, mas virou sócio de Deus e hoje tem uma frota que fornece caminhões para várias multinacionais. VIREMOS SÓCIOS DE DEUS, IRMÃOS!
- Caminhões? E os seis milhões?
Foi com essa que fui dormir. Sem saber o porquê dos oito milhões e com uma estranha vontade de virar sócio também.