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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Navegar é preciso (O BLOG VOLTOU!)

"Navegar é preciso". Há 1 ano e meio, comprei um barco a vela e, na minha visão, também a prerrogativa de usar metáforas náuticas e frases de efeito. É isso mesmo: muita água vai rolar.

Há muitos anos eu sonhava em velejar, sentindo o suave barulho do vento em meu rosto e o deslizar do barco - como a cumprir seu destino - sobre a água. 

O que pareceu faltar no pacote foi alguém me avisar sobre os erros que aprender um novo esporte implica. Aparentemente - e é o que supostamente aconteceu -, na prática, esse aprendizado envolveu xingamentos por parte deste que vos escreve, como: "essa merda tá quebrada", "qual é o problema que não passo dessa maldita ponte?" e "vou vender essa porcaria amanhã, tá é quebrado".

Mas, um homem obstinado a ter sucesso em sua nova empreitada é como a poética chinelada de uma mãe: ninguém pode parar. Pois no final eu triunfei, mas algumas das provações pelas quais passei se tornaram cicatrizes, e eu jamais as esquecerei.

Uma delas ocorreu em julho de 2017. Fazia cerca de 3 meses que eu não velejava, já que, a partir de abril, o vento fica fraco e a necessidade de resgate de um tolo sonhador passa a ser quase uma certeza. Portanto, a sede por uma velejada era enorme.





Olhei a previsão de ventos por um aplicativo no celular e vi ventos de 12 nós, com rajadas de mais de 16 nós. Isso dá rajadas de 30 km/h, o que é suficiente pra muitos prejuízos, como pude perceber.

O que ninguém também me avisou é que vento forte é bastante diferente de vento-pré-tempestade-em-mês-de-chuvas (preciso começar uma lista das coisas sobre tudo o que deveriam ter me avisado). 

Desavisado e ansiando por velejar, chamei meu companheiro de aventuras, O Mestre dos Sonhos, O Homem do "ótimo": meu irmãozinho. Dirigimos pouco mais de 20 km até a marina e passei a montar o barco. 

Tempo nublado e ninguém na água, saímos rumo ao desconhecido. Nossa sede por uma ventania e por mais uma bela paisagem a ser contemplada foram combustível de dois jovens e tolos que mal sabiam o que estava por vir. Se existisse um Deus dos Ventos, ele teria gritado pra não irmos a lugar algum. Como essa entidade também estava dentre as quais eu xinguei, seu silêncio é compreensível.

- Vai mergulhar hoje? - perguntei a Diogo.


- Rapaz, nem sei, to com preguiça.

Pois os dois mergulharam. Ao mesmo tempo e sem qualquer possibilidade de escolha: pegamos um banco de areia e viramos.




- Chega, cuidado com a mochila, desvira, desvira!

Conseguimos desvirar e passamos a retornar para a marina, depois de alguns quilômetros rio adentro. Como essa parte do rio é muito próxima do mar, as correntes de ar por ali são bem fortes, especialmente quando o céu está preto e chove há 2 semanas (teriam sido sinais?).

Conversávamos animadamente sobre velejar e todas as dificuldades mundanas, quando Diogo anuncia: DE NOVO, NÃO!
Sim, irmãozinho, de novo, sim. E viramos novamente.

Acontece, com os veleiros, uma coisa curiosa - pra quem está em terra e seguro - quando eles viram. Se você rapidamente não desvirar o barco, subindo na bolina (uma peça de madeira enfiada no centro da embarcação, afundada na água pra mantê-la no rumo), ele pode virar de cabeça pra baixo, o chamado "tartarugar". E aí, meu amigo, ferrou.

Pois tartarugamos bonito. O mastro ficou preso no fundo e não conseguíamos desvirar o veleiro. Tive que escolher: segurar o mastro ou deixar o pé do meu chinelo ir embora, como Leonardo DiCaprio em Titanic. Escolhi o mastro e me despedi do querido chinelo azul.

Até então, eu só levava minhas coisas numa mochila comum, como celular, carregador portátil e chave do carro. Quando tombamos, parece que dei início a um choroso lamento, muito parecido com o canto de uma sereia:

- Meu celular, meu celular, perdi meu celular...





Meu herói irmão rapidamente mergulhou, me fazendo pensar:

- VAI, IRMÃO!

Mas dizendo:
- Recupere, por favor, por favor.

Ele retorna:
- Consegui, peguei a mochila!




Meu Deus do céu. Nem se tivéssemos descoberto um continente acidentalmente, com toda a fama e a entrada permanente nos livros de história, eu teria ficado mais feliz.

Coloquei a mochila em cima do barco, enquanto dois pescadores (chamaremos de Fernando Pessoa e Luís de Camões, já que não perguntamos seus nomes) nos ajudavam.

Eu não conseguia desprender o topo do mastro do fundo do rio. Enquanto tentava, Diogo mergulhou pra recuperar sua câmera, que estava presa numa ventosa, enquanto os pescadores e eu aguardávamos.

10 segundos. 20 segundos. 30 segundos. 40 segundos.

Pensei: ou meu irmão tem um fôlego muito maior do que imaginei ou posso ter perdido mais do que um pé de chinelo.

Virei para os pescadores:


- Vocês não acham que ele está demorando não?
50 segundos e ele emerge, teatralmente, da água:
- Consegui!
- Você demorou, já tava quase desesperado - eu estava completamente desesperado.
- É que eu vi num filme que forma uma bolha de ar no barco em que dá pra respirar.

Os pescadores passaram a nos puxar para um banco de areia, pra que esperássemos o resgate. Mergulhei pra ficar longe da corda e não me machucar. E perdi meus óculos escuros. No final, perdi também o carregador de celular, um mastro que quebrou e uma âncora. Ganhei experiência, mas sinto que essa conta terminou negativa.

Agradecemos aos nossos salvadores e esperamos pelo resgate, que estava a 5 minutos dali, mas que demorou uns 50 pra chegar. Parece que esse pessoal não sabe nada sobre navegar. Não tenho paciência para gente assim.

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