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quinta-feira, 24 de março de 2011

Fama, riqueza e um guia milionário

Um dia você tá em casa comendo passatempo recheado e, no outro, você está passeando por museus nos quais nunca entrou. Isso numa cidade histórica a 20 minutos da sua. Você pensa que tem os contatos nesse mundo, mas, quando uma francesa amiga sua que está na sua cidade só faz 2 dias descola um motorista particular pra levar vocês onde vocês quiserem, é hora de rever seus conceitos. A patroa do motorista, que a francesa nunca viu na vida, é de uma família rica do Estado e essa é a única dica que posso dar. Vi uns adesivos no carro, um deles semelhante a uma faca na caveira. 
Às 8:40 eu recebo uma ligação. Era Alfred, O motorista. Mentira, era parecido:
- Meu jovem, sou Edson e vou levar vocês em  São Cristóvão. Que horas vocês querem ir?
- Umas 9:40, por favor.
9:40 o cara tava aqui em casa num carro preto. Percebi que o dinheiro poderia abundar quando ele falou:
- Desculpem aí pela sujeira, esse é o carro que vai pra fazenda.
Ou seja, havia outros carros? Quando vi que tinha um rádio amador no carro e os adesivos no pára-brisas, procurei por armas. Claro que não vi, já que minha busca se limitou a olhar pro freio de mão. Ele também falava uns códigos pelo rádio. Nem assistindo Polícia 24h toda semana eu consegui entender o que ele dizia.
Assim que chegamos, um cara com roupa moreno, com roupa normal, parecido até com um lavador de carros, colou em mim. Logo vi que se tratava de um guia informal. Acho que ninguém decora fatos históricos e datas pra falar por 20 minutos por nada, né? Sei que ele não parava nem pra respirar, pra que eu pudesse mandar o "então, obrigado, vou ali". Eu tava ligado que era guia, mas só achei que fosse alguém simpático e remunerado, sei lá, pela UNESCO, mas não por mim.



Entramos numa igreja e depois no museu, e ele na porta. Em cada lugar tinha um guia e eu devo externar algo que notei. Esses guias têm excelentes vozes pra curar insônia. Bem melhores do que leilões de joias. No piso superior tivemos que literalmente calçar pantufas por causa do piso de madeira. Se tivesse uma cama histórica lá, eu teria virado história.
Depois fomos em outra igreja, a maior da pequena cidade. Andando sob um sol de meio-dia e com o guia-não-solicitado no nosso encalço. Entramos na igreja e tinha uma guia oficial também lá. Essa era jovem e, não sei se por causa da hora, as informações dela eram mais sucintas. Todos os outros guias citavam datas aproximadas, falavam sobre o estilo barroco e até contavam algumas curiosidades. Essa era objetiva:
- Aquelas imagens são por causa de uma festa que temos aqui, é a segunda maior do Nordeste. A primeira é de um outro lugar aí.
Seu conhecimento sobre as imagens dos santos era esclarecedor:
- Aquele é Santo Antônio. Aquele é São Francisco. Aquela é Nossa Senhora.
- Obrigado.
Eu tinha esquecido os óculos escuros e já não enxergava nada de tanto sair de igrejas escuras pro sol de meio-dia. Tínhamos entrado no carro e já estávamos indo embora com Alfred, quando o guia aparece ao lado do carro. 
- É, queria pedir uma pequena contribuição.
- Ah, só temos 5 reais, não temos nada trocado assim.
- Queria pedir uma contribuição de 20 reais.
- Ah, só temos 5 mesmo, desculpa.
- Deixa pra lá - que malcriado.
20 REAIS? E ainda dispensou 5 reais? Como advogado, eu ia logo argumentar que foi por um serviço não solicitado. Mas tinha fome e meu caviar tava derretendo. Pedi a Alfred que seguisse em frente. Não tenho paciência com esses mortais.

domingo, 13 de março de 2011

Atalaia, cidade proibida

Depois de duas décadas morando em apartamento, soltando pipa no ventilador, jogando bolinha de gude em tapete e sendo criado a pão com manteiga e açúcar, me mudei pra uma casa. Lá no apartamento eu extingui uma colônia inteira de cupins, literalmente matando um a um a duros golpes de sandália. No entanto, isso não se compara à selva de agora. Quando me mudei pra cá, logo no primeiro dia, fui tirar um cochilo. Só que não consegui, porque ouvia uns zumbidos altos. "Que abelhas gigantes são essas?" eu pensei. Acontece que eram os karts no kartódramo aqui perto.
Há um tempo, eu estava vendo tv lá embaixo, na sala, quando vi um bicho preto e meio cascudo, um pouco maior que uma daquelas formigas grandes. Meu instinto assassino e aniquilador (isso é óbvio) me levou à única atitude possível: matá-lo. Pisei nele e, para a minha surpresa, o bicho deu um salto de uns 20 centímetros. Para a minha surpresa não, para um susto do caralho. Palavrões são a melhor forma de expressar o contato com um bicho imortal. Eu pisei outras 15 vezes - em todas elas gritando "VOCÊ NÃO MORRE NÃO, É?" - e ele simplesmente não morria. A única pessoa que conheço com essa mesma resistência se chama Denzel Washington. Ao invés de adotá-lo como um semelhante, acho que tirei sua vida na décima sexta pisada.




No entanto, nada se compara às formigas, daquelas pequenas. Esqueça tudo o que você aprendeu sobre elas desde criança, nada disso se aplica aqui. Minha mãe tem colocado o pote do açúcar dentro de uma vasilha cheia de água, o que, em lugares normais, espantaria esses pequenos insetos. Só que, enquanto eu comia sozinho, eu testemunhei algo que, nos tempos de Cristo, já seria considerado um milagre: as formigas andam sobre a água. Eu posso parecer ligeiramente exagerado de vez em quando, mas isso realmente aconteceu. Minha mãe, é claro, não acreditou em mim, praticamente dizendo que eu estava defecando pela boca. Até que ela também testemunhou. E aí, ela resolveu colocar cravo na água, mas quem disse que adiantou? Temo colocar ácido sulfúrico e elas trazerem a cerveja pra começar uma festa.





Mas eu já me acostumei a comer uma formiguinha aqui no pão, outra ali no leite e uma de brinde no biscoito. Devo comer umas 40 por mês. No final do semestre isso deve equivaler a engolir uma barata. Talvez eu esteja delirando, mas posso jurar que umas 3 delas sobreviveram a 3 minutos na temperatura "Alta" no micro-ondas. E tem gente que vem dizer que as baratas é que sobreviveriam a um ataque nuclear. É tanta formiga que eu sinto verdadeira felicidade quando vejo lagartixas. Lagartixas são amigas.
Se dentro de casa é cada um por si, imagine lá fora, nas ruas. Uma vez eu estava voltando da padaria (sempre eu, que revolta) quando vi dois negões sem camisa e carregando  facões virando a esquina. Tava ligado e já ia abrindo a porta quando meu pai e meu irmão também vêm chegando de carro. Meu pai:
- ENTRA, ENTRA!
Não sei por que tanto alarde, vai ver eles tavam indo cortar cocos, só que tinham esquecido dos cocos. Acho que a boa-fé se presume.




Aqui também tem muitas dessas mulheres que trocam seu corpo por dinheiro. Um pessimista chamaria de prostitutas. Um otimista diria que são mulheres que estão esperando pelo ônibus na esquina errada. Tem também homens que pensam que são mulheres. Ou que tentam fazer com que outros homens pensem que eles são mulheres. Um pessimista veria que são travestis. Um otimista diria que foi enganado e iria, pouco tempo depois, jogar com a camisa 9 do meu time.
Uma profissional do sexo magrela, descabelada, usando um shortinho e fumando um cigarro tava andando pela rua enquanto eu passava de carro. Ela só encarando, afinal, é a profissão dela. Quando passei, ela mandou o "psiu" mais morto e desmotivado que já vi. Ela não era meu tipo mesmo, então pra que se incomodar, né?