Páginas

domingo, 5 de dezembro de 2010

Um pagodeiro em fúria

Pareceu até um presente dos céus. Sexta fui ao dentista e cheguei cerca de 20 minutos atrasado. Um marco, já que eu não me lembrava de ter ultrapassado 10 minutos. E não foi nem por alguma poça de cimento fresco, foi por não ter vaga mesmo. 
Cheguei e fui pro andar de cima da clínica. Como estava atrasado, tive que esperar uma menina que já tava marcada. A sala de espera tem 2 sofás grandes, desses estilo casa de praia, e um de frente para o outro. Eu sentei na ponta de um deles, já que havia uns 7 ou 8 garotos, acho que entre 9 e 12 anos. Tinham vindo do interior e, provavelmente de tanto esperar, já estavam adotando brincadeiras kamikazes. Um pouco depois de mim, chega um cara meio grande, moreno, vestindo uma regata e uma bermuda, bem ao estilo pagodeiro. Devia ter perto de 30 anos e ouvia música com os fones de ouvido do mp3 player. Tinha também uma tatuagem que, longe eu de ser um especialista no assunto, parecia ter sido feita na prisão.
Eu não sei o que foi que eles fizeram, mas dois dos meninos, que sentavam no outro sofá, tiraram alguma brincadeira entre eles. Apostaram que o cara não iria ver, mas o que se seguiu comprovou que essa juventude atual pode ser bem inconsequente. O cara tirou os fones do ouvido e falou:
- Você tá mexendo comigo? Tá achando graça?
- E-eu? Eu não... Foi ele - e apontou pro do lado (X9 sacana)
- Você tava tirando onda, sim. Se você não fosse pequeno, a gente já teria resolvido isso. Vocês nem me conhecem e vêm mexer comigo, rapaz. Respeitem os mais velhos.
Os meninos não respiravam. O cara tava certo, principalmente na parte de ser uma pena eles serem pequenos. Afinal, eu era o único adulto homem ali, quem você acha que iria ter que separar uma eventual tentativa de homicídio?
O cara continuou:
- CADÊ SUA MÃE?
Eu já tava quase correndo. Na verdade, tava doido pra rir, mas fingi muito bem que jogava no celular. 
- T-tá l-lá embaixo.
Pouco depois, a mãe dos indivíduos sobe.
- A senhora é a mãe desse cidadão? 
- Sou.
- É porque ele nem me conhece e fica tirando gracinhas.
- Mas ele é uma criança.
- É? É de crianças que são feitos os homem (nunca tinha ouvido esse ditado, mas quase aplaudi).
- Pois eu peço desculpas ao senhor.
Nisso o cara foi lá embaixo, o que deu tempo de a mãe perguntar ao filho o que tinha acontecido. Não consegui ouvir, provavelmente porque o garoto mal conseguia respirar, imagine falar. Só que o cara voltou logo e ouviu.
- ESSE DAÍ TIRANDO GRACINHAS COMIGO. EU TO MIJADO? EU TO CAGADO PRA VOCÊ ESTAR RINDO?


Ficou um silêncio, aquela tensão no ar. Do nada, ele tira o fone de ouvido do celular e deixa a música tocando alto. Era um rap daqueles de presídio, mais ou menos assim: "aluno só se cala quando tira uma seta. Quando tira uma seTÁ! É rap violento, pode ameaçar... não sei o que lá do presídio". Entenderam a pequena mensagem subliminar? Os meninos não respiravam.
Pra salvação daquela pequena parcela do futuro da Nação, a atendente do dentista dele chegou e o chamou pra consulta. 
- Tudo bem? - ela perguntou
- Tudo.
Imagine se não estivesse.

Um comentário:

Felipe disse...

Pagode também é filosofia, tá vendo?