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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Um pequeno passo para um homem...

Um dos sonhos mais comuns de criança é se tornar um astronauta. Comigo não foi diferente e eu adquiri algumas boas horas interestelares deitado numa pequena cadeira de madeira, enfiada dentro de uma caixa grande no chão. Esse era meu traje espacial, e meu destino - a lua - também podia ser conhecido como a garagem de costura da casa dos meus avós. Da mesma forma que o espaço, esse lugar reservava seus mistérios, como brinquedos que surgiam e desapareciam do nada, berços desmontados e bonecas sem braços. 

O tempo se passou, e outros interesses foram surgindo. Vieram o sonho de me tornar jogador de futebol, depois o sonho que eu comprava na padaria torcendo pra não ter goiabada dentro e outros próprios de cada fase da vida. Mas, o fascínio e o interesse por pelo menos experimentar a sensação de estar fora do planeta permaneciam. Algo diferente de como ficamos nas aulas de matemática ou química, se foi nisso que você pensou.

E a oportunidade pareceu ter se materializado em 2016, na primeira viagem com a minha namorada, musa e futura mãe dos meus filhos, pessoa a quem eu nomearia um planeta e  por quem até começaria uma guerra. Creio que depois dessa discreta apresentação, sem qualquer influência causada pelo receio de desagradar a amada, posso prosseguir.

Estávamos em um dos parques da Disney, o Epcot, projetado para permitir uma volta ao mundo, contendo pavilhões de diversos países e atrações futuristas. Uma delas era chamada de Mission Space. Ela tem por finalidade simular a força gravitacional experimentada pelos astronautas no lançamento de um foguete e conta com duas versões: a verde, mais leve, e a laranja, mais pesada. 

Logicamente, devido à minha extensa experiência espacial e à poeira cósmica inalada da garagem da minha avó, escolhi a laranja. 



Durante o percurso até a "nave", enquanto passávamos por corredores com letreiros coloridos, avisos nas paredes repetiam: "esse brinquedo não é recomendado para gestantes, portadores de epilepsia, claustrofobia, pessoas com labirintite e outros". Não sei se era a Torre de Comando ou apenas uma voz de alerta dentro da minha cabeça, mas algo sussurrava: tem algo estranho aí, camarada.

A estrela da morte atração funcionava basicamente assim: havia quatro cápsulas, cada uma com quatro assentos e um painel de controle na frente, cheio de botões. Durante a decolagem de alguns minutos, cada integrante da cápsula tinha uma função (engenheiro, piloto e por aí vai), apertando seu botão na hora correta. 

Entramos finalmente na cápsula e cada um se sentou na sua cadeira. Eu já me via comprando sonhos em alguma padaria lunar, até que eu puxei, vindo acima do assento, uma trava enorme pra que ficássemos bem presos. Exatamente assim:

extraterrestres contratados para iludir humanos 
a pensar que crianças vão tranquilamente nessa máquina mortal

Quando o negócio travou, meu amigo... não sobrou um centímetro pra eu respirar. A partir desse momento, a guerra havia começado. Eu agora travava uma luta pela minha sobrevivência, sem conseguir respirar e gastando meu inglês:

- I WANNA GET OUT!! 

Tradução livre:
- SALVE MINHA VIDA PELO AMOR DE DEUS, MICKEY!

E aí, aparentemente, eu comecei a apertar um botão com um certo desespero. Um botão fictício do brinquedo, na esperança de me ejetar desse desespero. Felizmente, nessas horas, pude contar com uma companheira compreensiva e que imediatamente entendeu meu sofrimento. Assim reagiu minha parceira:




Devo ser justo e acrescentar que ela, enquanto dava gargalhadas, me ajudou a chamar uma funcionária do brinquedo a fim de me tirar dali. Uma astronauta completa, atuando com leveza mesmo diante de momentos de tensão. Libertado das garras do assento, eu, aliviado, prontamente me restabeleci e deixei a aeronave calmamente:


E foi assim minha descoberta: com um pequeno passo para um homem, dei um grande salto para a claustrofobia.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Um curandeiro improvável

Há coisas que acontecem com a gente que parecem um daqueles sonhos sem pé, nem cabeça. Tipo dobrar lençóis de elástico ou sorteios de IPhone pelo Facebook. Comigo, mesmo depois de dezenas de acontecimentos bizarros excêntricos, o repertório dessa eterna brincalhona chamada vida parece infinito. A vantagem é que a quantidade de histórias aumenta, alimentando este blog, me enriquecendo e me lançando rumo ao estrelato. Perdão, sonhei de leve agora.

Enquanto esperava pra fazer um exame, aproveitava meu tempo pra viver loucamente: estudando. E eu não estava só. Uma entidade independente e de personalidade forte e explosiva me acompanhava: meu nariz, com o modo "rinite alérgica" ativado.

Infelizmente - para mim e para o meu nariz -, um senhor de óculos assistia à minha batalha entre espirros e páginas lidas. Até falar:

- É o ar-condicionado, né?

- Não, é porque tenho rinite, aí é toda hora assim - respondi.

Ele, então, sugeriu:

- Experimente fechar as mãos assim e soprar ar quente.

Minha reação:



...e fiz mesmo assim. Ser educado e desesperado é uma combinação perigosa.

Não satisfeito, ele acrescentou:

- Licença aqui... - e começou a apertar, com as pontas dos dedos, os ossos do rosto ao lado das narinas, fazendo movimentos circulares - e certamente não bem-vindos.

O improvável curandeiro acrescentou:

- Melhora, desobstrui!

Mas, ele não era apenas um curandeiro improvável, era obstinado. E veio com seu melhor método de cura, falando devagar e pausadamente:


- Feche os olhos e inspire...

Vou nada fechar os olhos. Pois fechei.

E ele continuou:

- Imagine que você está num local cheio de fumaça, gigante. Há um cheiro de perfume gostoso e muita poeira, muita. Veja a poeira, você está dentro de um carro, seguro... há um silêncio... e você mal consegue enxergar... dá uma sensação ruim, né?

Claro que dá. Em nenhum momento ele falou que eu podia respirar, eu já tava tonto sem ar. 


Se bem que desmaiar assim parece melhor que espirrar.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Navegar é preciso (O BLOG VOLTOU!)

"Navegar é preciso". Há 1 ano e meio, comprei um barco a vela e, na minha visão, também a prerrogativa de usar metáforas náuticas e frases de efeito. É isso mesmo: muita água vai rolar.

Há muitos anos eu sonhava em velejar, sentindo o suave barulho do vento em meu rosto e o deslizar do barco - como a cumprir seu destino - sobre a água. 

O que pareceu faltar no pacote foi alguém me avisar sobre os erros que aprender um novo esporte implica. Aparentemente - e é o que supostamente aconteceu -, na prática, esse aprendizado envolveu xingamentos por parte deste que vos escreve, como: "essa merda tá quebrada", "qual é o problema que não passo dessa maldita ponte?" e "vou vender essa porcaria amanhã, tá é quebrado".

Mas, um homem obstinado a ter sucesso em sua nova empreitada é como a poética chinelada de uma mãe: ninguém pode parar. Pois no final eu triunfei, mas algumas das provações pelas quais passei se tornaram cicatrizes, e eu jamais as esquecerei.

Uma delas ocorreu em julho de 2017. Fazia cerca de 3 meses que eu não velejava, já que, a partir de abril, o vento fica fraco e a necessidade de resgate de um tolo sonhador passa a ser quase uma certeza. Portanto, a sede por uma velejada era enorme.





Olhei a previsão de ventos por um aplicativo no celular e vi ventos de 12 nós, com rajadas de mais de 16 nós. Isso dá rajadas de 30 km/h, o que é suficiente pra muitos prejuízos, como pude perceber.

O que ninguém também me avisou é que vento forte é bastante diferente de vento-pré-tempestade-em-mês-de-chuvas (preciso começar uma lista das coisas sobre tudo o que deveriam ter me avisado). 

Desavisado e ansiando por velejar, chamei meu companheiro de aventuras, O Mestre dos Sonhos, O Homem do "ótimo": meu irmãozinho. Dirigimos pouco mais de 20 km até a marina e passei a montar o barco. 

Tempo nublado e ninguém na água, saímos rumo ao desconhecido. Nossa sede por uma ventania e por mais uma bela paisagem a ser contemplada foram combustível de dois jovens e tolos que mal sabiam o que estava por vir. Se existisse um Deus dos Ventos, ele teria gritado pra não irmos a lugar algum. Como essa entidade também estava dentre as quais eu xinguei, seu silêncio é compreensível.

- Vai mergulhar hoje? - perguntei a Diogo.


- Rapaz, nem sei, to com preguiça.

Pois os dois mergulharam. Ao mesmo tempo e sem qualquer possibilidade de escolha: pegamos um banco de areia e viramos.




- Chega, cuidado com a mochila, desvira, desvira!

Conseguimos desvirar e passamos a retornar para a marina, depois de alguns quilômetros rio adentro. Como essa parte do rio é muito próxima do mar, as correntes de ar por ali são bem fortes, especialmente quando o céu está preto e chove há 2 semanas (teriam sido sinais?).

Conversávamos animadamente sobre velejar e todas as dificuldades mundanas, quando Diogo anuncia: DE NOVO, NÃO!
Sim, irmãozinho, de novo, sim. E viramos novamente.

Acontece, com os veleiros, uma coisa curiosa - pra quem está em terra e seguro - quando eles viram. Se você rapidamente não desvirar o barco, subindo na bolina (uma peça de madeira enfiada no centro da embarcação, afundada na água pra mantê-la no rumo), ele pode virar de cabeça pra baixo, o chamado "tartarugar". E aí, meu amigo, ferrou.

Pois tartarugamos bonito. O mastro ficou preso no fundo e não conseguíamos desvirar o veleiro. Tive que escolher: segurar o mastro ou deixar o pé do meu chinelo ir embora, como Leonardo DiCaprio em Titanic. Escolhi o mastro e me despedi do querido chinelo azul.

Até então, eu só levava minhas coisas numa mochila comum, como celular, carregador portátil e chave do carro. Quando tombamos, parece que dei início a um choroso lamento, muito parecido com o canto de uma sereia:

- Meu celular, meu celular, perdi meu celular...





Meu herói irmão rapidamente mergulhou, me fazendo pensar:

- VAI, IRMÃO!

Mas dizendo:
- Recupere, por favor, por favor.

Ele retorna:
- Consegui, peguei a mochila!




Meu Deus do céu. Nem se tivéssemos descoberto um continente acidentalmente, com toda a fama e a entrada permanente nos livros de história, eu teria ficado mais feliz.

Coloquei a mochila em cima do barco, enquanto dois pescadores (chamaremos de Fernando Pessoa e Luís de Camões, já que não perguntamos seus nomes) nos ajudavam.

Eu não conseguia desprender o topo do mastro do fundo do rio. Enquanto tentava, Diogo mergulhou pra recuperar sua câmera, que estava presa numa ventosa, enquanto os pescadores e eu aguardávamos.

10 segundos. 20 segundos. 30 segundos. 40 segundos.

Pensei: ou meu irmão tem um fôlego muito maior do que imaginei ou posso ter perdido mais do que um pé de chinelo.

Virei para os pescadores:


- Vocês não acham que ele está demorando não?
50 segundos e ele emerge, teatralmente, da água:
- Consegui!
- Você demorou, já tava quase desesperado - eu estava completamente desesperado.
- É que eu vi num filme que forma uma bolha de ar no barco em que dá pra respirar.

Os pescadores passaram a nos puxar para um banco de areia, pra que esperássemos o resgate. Mergulhei pra ficar longe da corda e não me machucar. E perdi meus óculos escuros. No final, perdi também o carregador de celular, um mastro que quebrou e uma âncora. Ganhei experiência, mas sinto que essa conta terminou negativa.

Agradecemos aos nossos salvadores e esperamos pelo resgate, que estava a 5 minutos dali, mas que demorou uns 50 pra chegar. Parece que esse pessoal não sabe nada sobre navegar. Não tenho paciência para gente assim.